segunda-feira, 14 de julho de 2008

SIM E NÃO

Têm dificuldade de dizer sim, apenas.
Recorrem a subtefúrgios diversos:
sussurram hum-runs, repetem os verbos.
Pergunto-te se queres, respondes-me: - quero.
Quero saber se vais, dizes-me: - vou.
Mas não me dizes sim.
Mas logo ele? Logo o sim?
A entrega total amendronta-te.
Quero sim, tão-somente. Absoluto sim.
Ir-se, dar-se, entregar-se-me em três letras apenas.
Não hesitam no medo. Não hesitas no não.
Repetes para aliviar-te a recusa,
Dizes-me: - não, não.
Ou dá-me uma breve esperança, invertes
E respondes-me: quero não. Vou não. Gosto não.
Penso num breve segundo que tenho um sim disfarçado,
Mas vem-me num tiro o tudo que tenho:
Um não escancarado não.
Diz-me uma vez sim. Sim-plesmente sim.

Pena de si, lamento de mim

Preciso ser lido.
Caço elogios para matá-los
E, sem pesar, enterrá-los.
Gravo nas suas lápides o que temo serem:
Levianas e falsas declarações de agrado.
Serão algo mais do que simpáticas condescendências?

Quero ser ouvido.
Mas espero mais que concordâncias condolentes.
Agradam-me o enfrentamento insolente,
A brasa quente e as pedras cruéis.

Basta-me o espelho para apedrejar-me vorazmente.
Por que então desejar perfurar-me com suas lanças?
Ignoro às vezes o meu próprio reflexo.
Busco-me em ti, como um retrato de mim.
Desgradável retrato. Não lhe posso ser grato.

Estranho-me pois se sorrio
Tenho pena de minhas próprias lágrimas,
Choradas ou engasgadas.
Tenta-me assim ver a mim mesmo
Com olhos que não me pertencem
Que jamais enxergarão o mesmo que eu
Mas que me enxergam a mim, sem dó,
sem pena, como não gostaria eu de ser visto.
(mas como preciso ser visto, ou quisto).
Só isso.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Caminho de Casa

Vou voltando pra casa
Levando meu carro
Empurrando meu corpo
Engolindo as secas lágrimas
Chorando uns sorrisos quaisquer.

Olho à direita e vejo
Um baba de fim-de-tarde:
Pretos e brancos
Todos tão mulatos
Posando em movimento
Sob a luz do coucher do sol
Par' um fotógrafo, um poeta
Um curioso ou um pateta.
Suam todos seus cansaços
Respondem com o suor da alma
Ao incansável mormaço.

A minha frente
Um caminho fechado por outros carros
Tantos lastros, meia-dúzia de laços
Amores, temores... vários desacatos.

Num lance qualquer de olhar
Um ebó deitado ao relento
O que será? Pra quem será?
Quem haverá despejado
Num velho prato de barro
A matéria do seu desejar?
Vejo na macumba, bunda
Vejo rumba, vejo tumba.
Qual será o desejo a pagar?

Peço licença ao santo
Equilibro entre o freio e o avante
Faço a curva, e vejo um manto
De um cavaleiro absoluto:
O mar. O mar azul, tão verde mar.
Vibra, bate e surra
Com seu salgado pranto
Um paredão de pedras cinzas
Amargas, inóspitas e imortais.
Continuará tentando, o mar
Mesmo quando eu seguir em frente
Avançar pelos poros das insensíveis rochas
Impossíveis rochas. Inacessíveis que são.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Monotemático...

Quis me lhe dar por inteiro
Mas recusou minha oferta
Senti-me então um pateta
Das angústias, virei vezeiro.
Não havia outro senão ela.
Só havia ela, não havia outro.

Gratidão pelos versos:
Nela e por ela, minha inspiração.
Só foi isso, então?
Parece que sim, quero crer que não.
Disse-me há pouco: há você e há outro.
Entendi o recado: Não há eu. Só há outro.

sábado, 21 de junho de 2008

Recusa de migalhas

Como é querida a que se quer
Chamo-a disso em meus versos
Pois é de fato o que é.
Olho-a hoje, querida
E ainda te vejo bonita.
Mas quando me esmola migalhas
Que aprendi a digerir como banquetes
Festejados em imaginários palacetes
Refuto-as e vomito-as como farelos que são.
Eu que tive noites tantas a seu lado
Ao meu só lado, sem aparente divisão
Não me contentarei - sem chances!
Com os cumprimentos gratuitos
Em esporádicos encontros fortuitos
Que lembram a dor do perdido encanto
E o secar do antigo pranto.
Não me satisfazem a sede ou a fome
Eis porque prefiro, às esmolas jogadas,
A dor do distante e saudade do seu nome
Melhor que seja só lembrança constante.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Culpa e Medo

É tudo culpa do medo!
Meus sonhos grisalhos
Já posso chamá-los frustrações.
Meus ódios platônicos e
Os amores faraônicos
Perderam-se nos meus senões.
E se ainda sou algum desejo
Ou se te olho e almejo
Termino sempre nos mil perdões.
As desculpas são porque te vejo
Planejo e não faço, nunca ajo.
É tudo culpa do medo!

sábado, 7 de junho de 2008

Escolhas perdidas

Faça daí suas boas escolhas.
Sejam as corretas ou as péssimas,
Uma coisa eu lhe asseguro:
A perda é certa.
E tudo que for preterido já destino:
Vira um todo pretérito.
Aí você usa seu bom tino
E decide mais uma vez:
Trata-os com desprezo,
Com palavrões de despeito
Ou migalhinhas de pena.
Ou gasta suas lágrimas
Em lembranças de lamento
Faz do passado um tormento
E um amigo do sofrimento.
Mas se melhor lhe aprouver
Vire as costas para o preterido
Faça dele só um lixo
E finja, com sorridentes máscaras
Que nada disso foi doído.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Ouvindo os gênios de Irará e Juazeiro

Para ser poeta, não basta rimar.
Tem que ver nas angústias suas
Grilos desesperados que não param de falar.
Cigarras ensurdecedoras e nuas,
Que insistem nesse alto cantar.
Tem que ver riso na desgraça
E na graça, uma grande desgraça.
Há de ver mãe na solidão
E a poeira do sim
Num avalanche de não.
Tem que ver nos carecas de chapéu
E nos homens de gravata
E nos viados de batina
E nas putas de hábito
Muito mais do que a fácil censura.
Tem que ver beleza nos grilos
E riqueza na pobre usura.
Pode até ver nos prédios
Varões que disputam.
E nas ruas, fêmeas que labutam
Vaidosas, cheirosas
Sujas ou porcas.
Pode ver putas nessas belas vistosas
Ou damas em largadas rameiras
Nem um pouco vaidosas.
Pode ver nos galhos secos de árvores mortas
Os fios do cabelo da mais bela menina.
Mas parece essencial
Não deixar que se lance cimento em cima.
Tem que rolar na cama
Sem cobrir-se de lençóis
Ou esconder-se em caracóis.
Também não vale proteger-se em cachecóis.
Tem que honrar em cada verso, ou em cada nota
O fardo e o presente que lhe foi dado:
Essas idéias que borbulham numa cabeça poliglota.

sábado, 31 de maio de 2008

Querer simplesmente

Tudo que eu toco eu quero
Tudo que eu quero eu tento
Tudo que eu tento, eu não consigo.
Se consigo, não gosto. Não tenho.
E simplesmente choro e sigo.
Ver-te, tentar-me e não ter
A despeito de tanto querer
Faz-me pensar a respeito:
Do desejo, qual será o porquê?
E digo-me não mais tentar:
- Para quê lançar-se ao mar
Se a certeza é afundar?
Eis que até determino
A desta água não mais tomar .
Mas termina voltando-me o copo
E me embriago de tentativas.
Frustradas. Falidas.
Jovens desesperadas,
Pobres suicidas.

domingo, 25 de maio de 2008

Um desejo

Quero seguir livre
Desimpedido com os destinos.
Do sono, quero ir só ao não saber
Quero andar roçando todos os possíveis riscos.
Quero que as amarras que ditam o possível
Desamarrem-se de vez de minhas entranhas.
Quero só sangue repleto de uma só ousadia
Correndo-me em minhas veias que me empurram
Violentamente.
A um não-lugar -
E é o que quero: ausência de lugares.
Sonho com poder chegar cerca
Da ponta desses tantos precipícios.
Nunca caí em nenhum:
Mantenho-me longe do inesperado.
Do não-quisto, do inimaginado e do imprevisto.
Sairei um dia, veloz, em busca do precipício
Sem hesitar por qualquer instante, avançarei
Não sei onde cairei. Nem sei se cairei.
Talvez o inesperado seja só o conhecido:
Todas aquelas amarras são velhas conhecidas
Já cercam e tramam soltas num labirinto
Sem saída: o de quem pensa ter destino.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Ele segue nu

Andava na rua, de macacão azul e tênis branco, quase preto de surrado. Era meio-dia, sol na cabeça, e o homem seguia, como se fosse para algum lugar importante. Sua casa, talvez? Seria a hora do merecido descanso? Acabara de cumprir mais um turno de trabalho na construção civil, ajudante de pedreiro que era. A vida não lhe deu nada mais do que isso: só os tijolos alheios, e o minguado salário ao fim de cada mês. Mas, de repente, o homem pára, abaixa e tira o velho tênis. Os que passam de carro olham curiosos: o sol esquenta o chão e a cabeça, mas o homem se descalça. E ele mantém em si o foco: abre cada botão do macacão, sua única veste, joga o pano azul nas costas e segue andando. Nu. E eu, que a tudo assistia paralisado, não consegui sequer afrouxar o nó da gravata e abrir ao menos alguns dos botões da camisa branca - de força - que me aprisiona. Olho mais uma vez, mas o homem vai embora, afastando-se, num só ato de despir, da sociedade que o obriga a carregar tijolos, a sorrir, a chorar e a vestir aquele velho macacão azul que só esconde o óbvio. Mas por que esconder o óbvio? Viva os livres. Quero um dia ser louco também.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Simples Desejos

Quero uma nêga
Que não me negue
Um pouco do seu amor.
E um querido amigo
Que beba comigo
O resto daquela dor.
Quero um cantor
Que faça de qualquer bossa
(velha ou nova, não importa!)
Um alento ao meu torpor.
E também um pintor
Cujo pincel possa
Expressar num branco, em cores
Um pouco do muito que sou.

domingo, 4 de maio de 2008

RESPOSTA AO LEITOR

Caríssima leitora do meu blog,
(Aos outros leitores - que não a destinatária - sugiro que leiam o texto anterior "Nunca pertenci." antes, já que aqui escrevo uma resposta).

Muito obrigado pela sua gentil correspondência. Fico contente de que alguém leia isso aqui, mesmo que não dê dinheiro. É a vaidade insuportável dos narcisos, pretensiosos e inseguros, que me faz vir aqui, às vezes, em busca de uns elogios descomprometidos.

Mas vamos direto ao assunto: você então me pergunta, leitora, se afinal sou homem ou mulher. Nome de homem e um texto de mulher? “Conjugando no feminino, senhor escritor?”, você me perguntou, quase desaforada. Desculpe por confundi-la. Jamais foi minha intenção.

Responderei diretamente a sua questão, minha cara: ninguém escreve sobre alguém diferente do que é de verdade. Tudo que falamos, senhora leitora, é nosso. Posso até me justificar no início, posso mudar o gênero do artigo, mas são só disfarces. É sempre sobre nós mesmos que estamos falando, mesmo quando falamos dos outros. Ou melhor, talvez, principalmente, quando falamos dos outros. Ou pelos outros. Sim, senhora leitora, sou homem. E o texto anterior – que lhe causou aparente perturbação – é sim no feminino.

Adianto a outros eventuais leitores: vão me perguntar se estou falando “no geral” ou apenas sobre mim. No geral e sobre mim, respondo. Todos eles que escrevem como mulheres, sobre mulheres, e falam das mulheres, são mulheres também. Em algum lugar. Em algum lugar, na verdade, senhora leitora, somos tudo o que a senhora puder imaginar. E um pouco mais.

Obrigado pela preferência.

Nunca pertenci.

Eu nunca pertenci a nenhum grupo social. Sempre fui muito cheinha pra andar com as bonitas, muito bonitinha pra andar com as feministas, feminista demais pra entrar para as anarquistas. E minha vida continuou nisso. Sempre tentando me encaixar em algum grupo, ente coletivo, clubinho, qualquer coisa, até numa reunião espírita estava valendo.

Depois das dúvidas adolescentes, surgiram os outros problemas de encaixe. A dificuldade era grande pra escolher entre H - de hétero - ou GLBT - derivações mais diversas da sexualidade. Cinco grupos para se encaixar, e eu, como sempre, rejeitada: até pra ser considerada BI eu era hétero demais. E prosseguia tentando, chutada dos grupos. Saradas e sedentárias têm - ambas - dificuldades para me absorver. Nunca soube responder, convicta, se era alguém "do dia" ou "da noite". As dúvidas entre ser calorenta ou friorenta voltavam-me atrozes a cada início de estação. Nem preciso dizer que oscilo com razoável desenvoltura entre as boas e as más.

Cada vez que me colavam um rótulo, eu ia saindo pelas beiradas. Nenhum nunca colou em mim assim, de verdade. Os meus pretensos iguais não se viam como eu ao olharem-se no espelho. E nem eu conseguia me enxergar naqueles modelos ultrapassados de grupo. Todos necessariamente aglutinadores, qualquer que fosse a profundidade daquelas relações.

Segui assim toda minha vida, já desprezando qualquer nova tentativa de agrupar-me. Nunca consegui ser careta. Nunca me afundei nas drogas com vontade. Fiquei sempre no médio, no meio. E era assim, chutada levemente pelos que se pretendiam superiores somente por estarem em grupo. Fui seguindo sozinha. Deitei-me em divãs de todas as terapias (exceto as grupais). Conformei-me. Ergui-me e passei a intitular-me contente embora sozinha, independente, bem resolvida. Até, às vezes, feliz.

E fui levantando a bandeira de quão bom é ser única, individual. Mas quer saber? Preciso fazer uma confissão: vou voltar aos Vigilantes do Peso. Lá eu era alguém.

Percepção

Só não sabes ser mais uma cruel em uma hora:
Quando pretende-te caridosa.
Aprende: pises à vontade, firas e chutes
Mas não acaricies assim
Daí de tão de cima
Como se do céu pisasses a terra
Com saltos finos e cortantes.

Prefiro os teus passos firmes
Aqueles gordos barulhentos
E levemente desajeitados
Predestinados a amassar
Mas não a dilacerar
Um gostar que foi já grande
E que agora só vejo minguar.

Clichês de Despedida

Beijinhos de despedida desdenhosos
Esmole-me-os!
Já não mais cabem entre nós
Aqueles saudosos vocábulos
Um dia tão carinhosos.

Passada a fase de descobrimos
As coincidências no olhar.
O mundo que nos era o mesmo
Assisto aos poucos definhar.
Mas já nem sinto aquele luto
De quando perdemos a meada:
Virou tudo cansada luta
Pra manter nos breves encontros
Esses sorrisos complacentes
Que escondem múltiplos desencontros.

Carrego minha pena, dispenso a sua
Nem precisa disfarçar:
Já lhe aprazem mais leves companhias
Vejo-me um fardo. Serei só isso de fato?
E nesse festival de arestas
Que já nem se tenta lapidar
Olho pra trás e penso:
Foi verdadeiro o nosso concordar?

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Dona da rua

Passe o seu batom vermelho.
Tome para si as ruas
Faça de esquinas casas suas
Torne-se dona de si própria.

Que lhe chamem mulher imprópria.
Seja dona de suas rédeas e bolsa
E o que de si disserem, nem ouça.
Mas faça valer, puta, toda sua força.

E tenha em seu porte a dignidade
De quem é dono de sua cabeça
E que na crua língua tem o dom da verdade
E que vê naquele que lhe julga com o olhar
Apenas alguém que não se lhe mereça
Que só lhe terá, efêmera, se lhe decide pagar.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Desejos de alma humana

Jorro branco transformado em lama
Vi-te nascer reluzente, na cama
De uma catarse de genialidade humana
Ou de um doce amor, que ao momento engana
E chorei-te ao morreres apagado, na fraca chama
Quando já não és mais lama, já não rolas na cama
E já nem mais enganas. Agora, és só a alma humana.

Frustração do gozo inalcançável

Vida, masturbação sem gozo.
Num infindo vai e vem a lugar nenhum
Sem se sair de onde se está
Sem consciência de que o gozo não chegará.
E se chegar - instantâneo - de que valerá?

Tantos sêmens lançados ao vento
Inférteis vidas mortas antes de nascer
Sonhos ilusórios, doces consolos
Almas estéreis na luta vã da perpetuação.

Como se possível fosse continuar
O que na natureza é efêmero
E na essência é tudo o que temos
E cujo valor total é um mero nada.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Ponto cego

Da ilha segura de onde estou
Encaro o precipício do outro
Sempre perigoso outro.
Enfia a faca,
e torce-me o pescoço.
Saio da terra firme que me abraçou
A me perder no fundo do poço
Procurando o imaginado ponto certo
Na memória e no olhar presente.
E lamento: a cada passo, sinto-me só
Pressentindo-me menos perto.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Poema a minha terra

Triste terra que tanto engana
E faz de uma preta qualquer
Uma falsa autêntica baiana
Para lentes vorazes de gringos
Brancos, pretos e japoneses.

Tristes falsas baianas
Cores nas suas caras maquiadas
E cor nenhuma nas guias do seu coração.
Nem tem santo na cabeça
E nem tabuleiro que mereça
A reverência de um ogã.

Já cantadas triste Bahia e falsa baiana
Terra pobre que rima com poesia
Mas que vive assistindo de braços cruzados
Os seus santos amarrados
E os seus homens afogados
Nesta lenta letargia.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Versos de bons tempos

Esse pretensioso humano que somos
Quer esconder-se, na complexidade
Dos modelos, velhos, clichês e simplificados
De outros que também se pretendiam complexos
E cujos caminhos também se cruzaram.

Narcisismo estranho este que compartilhamos:
Pensamo-nos tão complexos.
Você se diz bicho, eu me creio humano
Mas no fundo, sou o humano mais plano
E você, o bicho mais humano.

Esperados versos

Lê-me sujeito sem predicado
Sem falsos predicados,
Adjetivos inventados,
Nada de elogiosos agrados.
Mas sou-lhe grato.

Bem-intencionada crueldade
Procuro mentira em sua verdade,
Busco jogos na honestidade.
Mas encontro conclusões inequívocas.
E são tantas as minhas dúvidas!
Arrebata-me a sua certeza.

Pediu-me versos?
Escancaro-me em prazeres perversos
Do estranho gozo alheio
Que desnuda pela verdade.

Descobrir-me masoquista não provoca dor
Mas encontrar o sádico certo
Traz inevitável angústia:
Querer-te ter sempre perto.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Mais do mesmo

Fico assim observando
Tantas bocas abrindo e fechando
Expelindo verdades incertas
Tramando mentiras inúteis.
Eles sorriem de tudo, eles choram do nada
Parecem pensar que algo de fato vale a pena.
Dou passos atrás das gargalhadas alheias.

Manhãs até que são fáceis
Vagueio nas banalidades
Começos rasos e planos,
Mornos e Mortos.
À tarde, tornam-se ágeis
Angústias constantes
Vulcão dilacerante
Dêem-me, por favor, um instante.

Vou roer todas as unhas internas
Mas não derramarei metade das lágrimas presas
Morrerão presas em solitária
Na solidão da minha angústia.

sábado, 29 de março de 2008

Absoluta verdade

Quando de dogmas absolutos
Brotar num feto a relatividade
A necessária relatividade
Considerando ao menos uma vez
Que há no outro uma alteridade
Nada fará mais sentido algum
Tudo terá a lógica de um
Raciocínio furado e fadado
A um todo e completo fracasso.
E aí você verá que essa sua verdade
Do alto de sua maturidade
É só uma mera possibilidade
Só um caminho de possível verdade
E essas palavras tão absolutas
Faladas com tamanha autoridade
Perceberão no curso do caminho
Que sua verdade só se limitou
De um universo, uma possibilidade.

Pleito de esquecimento

E as bossas continuarão novas
Para quem as quiser ouvir.
Mas a trilha que um dia escolhemos
Esta, morrerá antiquada.
Adentrará pela lembrança,
Até tornar-se inadequada.
E os novos sambas já não serão compartilhados
Já não me farão cantar, não lhe farão dançar
E nem a qualquer de nós chorar.
E os momentos deixarão de ser tormentos,
As expectativas esquecerão a esperança
E só permaneceremos plural no passado.
Os lampejos de nicotina continuarão
Inúteis paliativos a problemas outros,
Que não o outro que um dia foi presente
E se tornou registro de um momento vão.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Tormento

Quero q-boa para os meus pensamentos
Preciso-os, ao menos uma vez, em branco
Limpos, sem sorriso e sem pranto
Desculpe a franqueza, mas confesso a fraqueza:
Dormir é alento quando acordar é tormento.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Um desafio ao final

Preciso mesmo iludir-me um pouco
Prefiro às vezes pensar ser mais do que sou
Não sei se suporto saber-me só nada

Termino vivendo sem descer do palco
Torno-me platéia de mim mesmo
O que mais angustia é não crer no personagem

Vivo assim, pretensioso
Falando do que não conheço
Sorrindo nos momentos certos, para não frustrar
Omitindo falhas estratégicas.

Fingir dói mais do que ser enganado
Não mais quero mentiras-esparadrapo
Tapando a verdade das feridas da vida
Escancará-las-ei às lágrimas
E você?

terça-feira, 25 de março de 2008

Gole de Cajuína

Existirmos
Creio que a nada se destina.
Mas valerá dar a vida à cajuína?
Busco um sorrir nos olhos da menina
Para forjar uma esperança pequenina.
Se bem que prevelace a nossa triste sina
Haverá fim para uma alma peregrina?
Choro de longe pelo que houve em Teresina
Tento em vão confete e serpentina
Reproduzindo rima alheia de voz fina.

Superego

Chora de rir meu superego maldito
Tem o que quis: desequilíbrio total
Rasgo tudo o que havia escrito
Já me parece não haver lugar adequado para minhas mãos
Meto-as e tiro-as de todos os bolsos
Mas continua faltando métrica no ritmo do meu sorriso.
Nessa hora, também o seu sofrer me parece irrelevante
Não funciona a contra-cena, vira tudo melodrama.
Ouço minha voz alto demais, e falta-lhe melodia
Vejo desajeitados gestos e versos no espelho do seu olhar.
Empresto-lhe, superego, ao meu interlocutor mais seguro
Que de você carece mais mais do que eu.

Macacos de Madeira

Busco em mim, com esforço
Macacos siameses de madeira
Surdo, Cego e Mudo
Todos eles imobilizados
Extasiados em sentimentos.

Haverá transbordar para um balde de lágrimas?
Procuro a mola no fundo de cada poço
Não encontro a propulsão, ofuscam-me pequenas luzes
Gozos tolos para garantir a perpetuação
Quem os haverá instituído?

Vejo-me e vou-me empurrado
O melhor consolo é que nada importa
Pretenso qualquer-coisa não consegue ver
Espelho em gatos vira-latas que também seguem chutados
E que também não são plurais, e que tampouco são felizes.

Continuo preenchendo palavras-cruzadas
Passando o tempo com sorrisos, enxugando lágrimas
Buscando rimas, como se fosse possível
Prosseguindo anônimo, como os sentimentos algo sinceros.

domingo, 23 de março de 2008

Tem crítica nova lá no meu blog de cinema.
Aqui.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Um lamento, um agradecimento

Rompeu-se a tênue linha
Não sei dizer a razão
Será mesmo que a cumplicidade
Era só uma mútua mentira?
Verdades entraram devastando
Tornaram-nos desinteressantes
Tornaram-na desinteressada
A tensão neste fio fez lasca-lo por fora
E lascar-me inteiro por dentro de dor.
Que pena que não lhe sirvo sem máscara
Me fará falta, para além da companhia.
Desculpe-me se lhe fiz de bengala
Nunca pretendi usa-la.
Aprenderei de vez a andar
Ou desistirei de caminhar.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Angústia II

Compro pães, como queijo
Me empanturro.
O que realmente importa
Mais uma vez empurro.
Fico fazendo da recreação
O prato principal
Nunca chego à refeição.
Não preciso olhar pra dentro
Conheço-me de coração e salteado
Preciso romper a barreira da divisa
Lascar a parede que me circula
Morrer o mais rápido
Matar-me o mais rápido
Nascer feto, fraco
Mais forte do que esse fraco que sou.
Quero parar de comer tudo isso
Preciso vomitar todas as minhas tripas.
Me distraio com as amenidades
Finjo-me mesmo ocupado com a rotina
Do mundo criado para esconder o instinto
Deixo-me passar pelo que quiserem pensar
Termino tornando-me o que decidem por mim
Continuem assistindo de camarote, aproveitem
Não sei até quando vestirei essa máscara
Vomita-la-ei aos poucos ou aos muitos
Já me enjoam demais todas essas correntes.

Angústia I

Agora realize meus medos:
Cuspa-me, Chute-me, Dispense-me.
Despeça-se de mim, figurante
Faça tudo ser bem fácil
Torne automáticos os sentimentos
Procure em qualquer um o que te dei
Já não importa mais,
Já não valho mais.
E nem consigo mais.
(Mas quero mais)

domingo, 16 de março de 2008

Insegurança

Qualquer não sorriso teu
Faz-me pensar que te perco aos poucos
Já te vejo tão perto, e tão longe
Sinto teu olhar buscar algo mais atrativo do que eu
Esgotei tudo de interessante que tinha a te oferecer
Será hora de passar a mais uma sedução sem futuro?
Meus papos já não têm mais surpresa
Entreguei-me todo, vejo-me aprisionado
Em tudo aquilo que inventei ser
Mas que já não desperta o brilho do teu olhar.
Todas as minhas cartas estão na mesa
E, ao que vejo, já não lhe apraz qualquer delas pegar.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Azia de ser

Por que tanto busco respostas lá fora
Se encontro cá dentro tudo que preciso?
Espreito, à tôa, janelas mudas e surdas
Só o espelho é digno interlocutor
Um dia paro de abrir portas
A nada levam estas vias tortas
Cansarei-me destas diversões mortas.
Haverá remédio para minha azia de ser?
A cura, meu bem, não está em você
Talvez esteja, como um doce escondido
Na mais óbvia rima da palavra viver.

quarta-feira, 12 de março de 2008

terça-feira, 11 de março de 2008

Busca

Perguntam-me o que sou
Respondo só com mentiras.
Escondo todas as minhas cores
Mostro-me em preto-e-branco
Como se fosse plano, e pleno.
Não sou nada disso que mostro ser
Escolho um pedacinho de meu eu
Aleatório, e a cada vez um,
pra cada outro, um diferente um.
E aí falo, olho, ouço, choro
E lá dentro, há os que farreiam,
Os que lamentam e gritam
E que sussurram segredos.
Procuro saber quais são eu.

Maria de Rua

Chore, Maria.
Não lhe deram outra saída:
se não as lágrimas, sobra-lhe a morte.
Viva, Maria.
Finja não haver solução:
contente-se com sua própria sorte.
Ande, Maria.
Faça mover seu corpo morto:
esconda que em tanta miséria não há vida.
Enxugue, Maria.
Seu rosto molhado só comove:
Mas não adianta, ninguém se move.
Pegue, Maria.
Coma essas migalhas:
Lambuze-se com nosso resto.
Sorria, Maria.
Já chega desse sofrer escancarado:
Nada farei, seguirei incomodado.
Aos poucos, Maria, já te esquecerei.

Meros ciúmes tolos

Desconheço a razão de mais este código
Dizer não querer o que na verdade se quer
Parece-me não haver um porquê.
Soa estranho essa regra do jogo
Que sentido há em afirmar-te decidida
Se no fundo hesitas?
Nunca te revelaste fraca, nem tampouco leviana
Qual então o mérito de contradizer-te sempre?
Faz o que desejas, não me deves explicações
Deixa-me desconhecer as regras do jogo
Pois este prêmio, duvido se quero ganhar.

Espelhos

Atraem-me as janelas
Vejo nelas espelhos
Reflexos que poderiam ser meus
Tantos que queria ter sido
Mas que nunca logrei ser.

Vejo através de seu sorriso
Felicidade que não me pertence
Lágrimas que não creio sofridas
Glórias que não quero e nem posso
Aflições que me parecem tolas.

Do parapeito, angústias alheias
Diluídas por entre orgasmos fingidos
Não os quero, falsos gozos
Tocam-me seus sofrimentos
Mas não passam de momentos.

Nariz de Palhaço

Fim das contas, sou só o bobo da corte
Faço-te gargalhar, sorrir e rir
Concordo nos terrenos de tua certeza
Ouço tua pobre ladainha
Deixo transparecer grande interesse
Por teus problemas já resolvidos
Soluções ineficazes e convicções de merda
Opino para fazer-te crer-me inteligente
Divirto-te sem divertir-me
E aconselho, faz como eu:
Paga com um sorriso complacente
Beija-me condescendente
Chuta-me e goza com um outro qualquer.

De mudança

Todos os textos antigos ainda estão no outro blog:

qualidadeduvidosa.weblogger.com.br