quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Espelho, Espelho meu

Gostaria de ter
Poucas, mas algumas
Dentre as certezas nenhumas
Que passeiam dentro de mim.
Nem as certezas universais
Logram me convencer.

Fico perdido em meio a um dilema:
Os que dizem "vá sem medo"
E os que me mandam "vá sem pressa".
Sinto-me às vezes dando passos incertos
(Sinto, na verdade, que todos eles são ineptos).
Vejo-me sem certeza de nada,
Percorrendo um lusco-fusco
Irritante e prolongado.
Nunca tão claro, nunca tão escuro.

Gostaria de lançar-me no incompreendido.
De sair num rompante, num rompido
Em busca de prazeres desconhecidos
(E também dos prazeres do desconhecido).
Gostaria de sair da rota,
De fechar o mapa,
De andar sem chão, mas destemido.
Gostaria de deixar que se me surgissem
As curvas e o caminho, ao longo do percurso,
Sem prevê-los, sem temê-los, sem lamentar desconhecê-los.

Gostaria, ainda, de ser melhor incompreendido.
Gostaria que tirassem a medida alheia com régua justa.
Que escolhessem a melhor delas, a mais bonita delas
Para, só então, medirem quem lhes é alheio.
Gostaria que entendessem que desconheço os códigos,
Que ignoro as linguagens sofisticadas do desejo.
Que me soubessem um boneco desajeitado, desequilibrado na vida.
Gostaria que enxergassem a tristeza do meu sorriso,
E não julgassem as lágrimas das minhas gargalhadas.
Que me olhassem, às vezes, como se mira um espelho.

Gostaria de partir para esse desconhecido, desbravador.
De não temer tanto os nãos e as perdas.
De pular para fora do meu universozinho particular
Pobre de tentativas, restrito ao território do conhecido.
De matar-me todo dia, nas noitadas da vida
E não nas lágrimas pela morte.
De virar noites sem medo do ter que dormir.
De dançar, até cansarem os pés, o que tocar.
De andar, de beber, de cair, de chorar até secar-me os peitos.
De parar de roçar riscos para lascá-los por inteiro.
De encarar o escuro da vida
Como se fosse o lindo breu dos loucos e dos artistas,
De conhecer a culpa dos permissivos.
Gostaria de arriscar na vida.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Que alguém?

Diga-me a novidade da vez
Conte-me a sua mentira de lei.
Vista-se com o seu vestido infalível,
Dessa vez, quem sabe, crível.
Nova tentativa de te enxergarem:
Mais uma expectativa ante o espelho,
Frustrada frente ao concreto de imagens alheias.
Não me diga, uma vez mais, ao que veio.
Esconda-me o sobressalto, a razão, o esteio.
Esconda-me a gastrite, o frio na barriga, o sangue nas veias.
Mostre-me, de novo, a perfeita maquiagem.
Mantenha os seus óculos escuros, cada vez maiores:
Cobrem-lhe agora, não só olhos, mas a sobrancelha
(novamente, omite-me o sobressalto).
Persista oradora de discursos pré-escritos.
Escritos, no escuro, não só à mão, mas a dedo.
Conte-me mais dos seus podres pensados,
Do seus medos não vencidos (e nem havidos).
Ande mais um pouco pelo mundo,
Com sua burca que lhe cobre os desejos.
Que pinta os medos de preto,
Que lhe esconde tudo.
Que lhe esconde toda.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Nocaute

Surra de palavras,
Que me dói a alma.
Tapas que começam sujeitos,
Passam por verbos,
Morrem em predicados.
Não são os cruéis os nãos,
Mas os porquês do não.
Murros que nascem palavras
E nocauteam-me, derrubam-me,
Tiram-me o fôlego.
Não que me leva ao chão,
E que me tira o chão.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Medo de gente

Sabe aquele perigo que se sente
Quando se se vê diante de um risco iminente,
Em frente ao golpe latente?
Sabe aquele medo louco
Que te esfria os ossos,
Que te imobiliza a mente?
E que pode ser de barata, besouro ou de um desaforo
De um gato, um cachorro, um touro, um louco...
Pois o meu é de gente.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Insone demais

Televisores acesos,
Sofás brancos,
Homens gordos
E mulheres, velhas, demais.

Insone, da varanda,
Vejo-me num futuro,
Talvez próximo demais.
É sepultura em vida:
dia-dia de mortos vivos.

Desejos anfíbios,
Nasceram sonhos
E cresceram frustrações.
Não morreram: mataram.
Mataram qualquer esperança,
Mataram toda juventude,
Viraram anos, prisões, solidões.

Tolos consolos:
Notas de dinheiro,
Doses de uísque,
Carreiras efêmeras -
E outras carreiras, longas demais.

Consciência longíqua:
(mais um consolo)
Tudo isso é vão. É universal.

A vida toda, uma cela solitária.
Banhos de sol,
Visitas íntimas com putas sofridas,
E um velho calendário,
Com dias riscados, e chorados,
À espera de uma libertação qualquer.

Pena perpétua,
Sem direito à morte.
Sua pena, seu futuro,
Tudo triste demais.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Sofistique o jogo

Eu tento escrever poemas:
brinco de prever rimas,
e mais - adoro cinema.
Reconheço as pistas falsas.
Soa óbvio quando tudo é farsa.

Só me atrai, o jogo, se for sofisticado.
Quando é óbvio demais, deixo de lado.
Sabe assim? Eu não jogo se me sinto subestimado.

Os argumentos são tão primários: falta-lhes sutileza.
Canalhas sem charme jogam sem beleza, sem destreza.
Vira tudo ironia grosseira.

Desisto, e desprezo:
Olho de longe o adversário,
E deixo que se debata, em blefes de falsário,
Sem nenhum destinatário.

Quando já conheço bem as regras,
Quando percebo as intenções ocultas,
É como se me entregassem o jogo.

E aí, eu tiro meu peão do tabuleiro,
E sequer tento o xeque.
Levanto-me do cinema:
Deixo na tela o filmezinho barato,
se não me instiga o desfecho.

E nem acendo as luzes:
Que se enganem em seus pastelões mediócres,
Que se percam em seus personagens rasos,
Que se divirtam dando textos mal-acabados.
- Enfim.
Que preencham os seus vazios com fatos inventados.

E deixo o jogo, já sem rimas,
Sem me importarem as pistas,
Um pouco irritado com a mediocridade.

- Fim prematuro da partida.
Tomo para mim a sentença de um escritor de verdade:
Ao vencedor, as batatas.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Faça todos acreditarem
Que ninguém faz o que você faz.
Todos acreditarão.
Não acredite - nunca
Que ninguém faz o que você faz.
Se descobrirem a verdade,
Quando descobrirem a verdade,
Tenho sempre um plano bê.
A verdade é dura
Para os que acreditam em mentiras.

sábado, 4 de julho de 2009

Tudo isso porque não sei se quero um dia ser feliz

Num acorde de alegria
Duma partitura triste
Olhamos aos outros e dizemos:
Ah, se eu fosse...
- Ah se eu fosse ela!
- Ah se eu fosse ele!
- Ah se eu fosse você!
E vem daí, em seguimento
Pequenos truques de felicidade.
Com a convicção de quem sabe
(quem sabe pelo fator idade)
O que é a felcicidade.
E dão-lhe dicas, E dão-me dicas
E rezam-nos a cartilha de como achar
Uma perdida feliz-idade.
Mas e se não o quero, que faço?
Será que posso apenas
Esvaziar meu corpo, acender o meu cigarro
Suavizar o corpo e dizer não à felicidade?

Encaro os seus senãos
Como se nãos fossem.
Os seus se-eu-fosse me são
Uma esmola de caridade.
Como se eu não entendesse
Que tudo aquilo que quero
É a minha felicidade.

Vendo velharias alheias
Como se fossem novidade
Para os de menor capacidade.
Sou eu também um de menor vivacidade.
Assisto sempre aos outros e seus ideais de felicidade.
Espectador da vida,
Escrevo - pretensioso - essas mesmas rimas com "ade".
Vario-me sempre sobre o mesmo tema.
Sorrio do sem-graça, aplaudo sem ver grandeza.
Tudo para você não notar que, no meio de tanta nobreza,
Há sempre o mesmo infeliz, o mesmo problema, a mesma tristeza.

sábado, 20 de junho de 2009

Eles, o belo

Aos meus perderes-de-sono,
solidões de mim, sofrimentos sem fim,
Procuro uma resposta secreta.
Não encontro uma sequer.
A pergunta sempre persiste. E busco.
O barulho de respostas quaisquer me atordoam.
Compro o silêncio:
Fumo alguns cigarros, penso num deus que não existe.
Suas respostas, artificiais demais, não convencem.
Tento dizer-me não haver resposta.
Se não aceito o que me dão, termino por aceitar que não me dêem.
Tento-me dizer que não há respostas, e que são vãs as perguntas.
E em momentos alguns de lucidez, vejo:
Esses bichos perdidos, procurando cheiros,
consagrando lugares, expressando gostares, e achares,
são o que há de belo. É o que há de concreto.
Contam-se seus estórias.
- Contem-me suas histórias!
Seus amares, e seus lares, seus olhares e suas escórias.
- Contem-me qualquer história!
Contem-me a de Jesus, contem-me de seus sofreres
digam-me de seus amores.
É o que há de belo.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Merda!

Merda! e chega.
Podem desmontar o teatro,
descer do palco,
chega desse cacete armado.
Dispam-se do figurino vencido
Tirem essas máscaras de sorrisos.
Corto a cena.
Vamos logo à sequência:
Passemos na cochia,
Lavemos o rosto,
Rasguemos a roupa.
De cara limpa,
Sorria ou chore - tire a máscara.
Agradeçamos os aplausos ignorantes
Ou as vaias merecidas e cruéis.
Desçamos do palco:
Comecemos logo a contracena da vida.

sábado, 25 de abril de 2009

Um interdito

Eu queria que fosses talvez
Que olhasses para mim talvez
Que me quisesses como te quero.
Ainda que fosse uma vez.
Mas esse talvez - que pena!
Parece-me vez nenhuma,
Quando tudo, e quando tu
Dizes-me que não há chance alguma.
Mas renego o que me dizes,
Fecho os olhos às circunstâncias todas
(E as todas são tantas, e tão infinitas)
Que me prendo a uma possibilidade remota
Como se fosse concreta
Iludo-me num quem sabe, num quiça ou num acaso
Como se estivessem tudo e todos enganados
E então me engano ainda mais,
Sonhando com um sim possível
Embora acorde - dia-a-dia - num não impassível.
(porém previsível).

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Lance pensado

Mesmo na carta de suicídio,
recorrera a clichês.
Fartou-se de obviedades:
cansava-lhe por demais o sofrimento,
como se alguém o prezasse.
Ninguém o prezava (a ele), disse.
Nem tampouco ao tormento.
Apenas a poucos é caro o momento.
Vendemo-nos barato à derrocada.
Redigira a sua morte numa só sentada.
Pura mentira.
Passara a vida insone, tramando.
Arrastou dias, desperdiçou noites.
E agora mete a bala, em ira
Não contra si, mas contra todos.
Porém não deixa rancores, afirma.
Em só mais uma linha tramada,
pensada, costurada, numa noite sem rima.

sexta-feira, 27 de março de 2009

O nome disso? (ou Mais um frevo ensaiado)

Eu só ando no escuro.
Não acendo luzes, tropeço em cruzes.
Cruzes! (sempre dizem cruzes...).
Só me encontro no velho conhecido
Perco-me - sempre - no algo desconhecido.
Esbarro no escuro.
Procuro luzes.
Termino fugindo - sempre - aos claros inimigos.
Inimigos? - perguntam-me.
Olhar o conhecido, pode ser, quem sabe
Flerte com o nunca quisto.
Até o esperado torna-se-me
Descompreendido.
Surpreendente.
Surpresa!:
O fácil de todos me é tão difícil.
Atiro no claro (algo como raro)
Acerto em muros.
Morro no escuro.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

A jaula do mais fácil

Chutaram-me num caminho
que não sabia onde daria.
Nos primeiros passos, olhava aos
lados, e não sabia se queria.
Pequenas pedras, alguns galhos
Mas, no final, tudo isso passaria.
Aprendi o local das pedras,
já não tropeço em obstáculos
Mas me pergunto:
e a outra trilha, que cores teria?

Esse outro percurso
Em cujas pedras não topei,
Flores pensadas que nunca cheirei,
Distancia-se a cada passo.
Vou preferindo seguir jogado
Pelo caminho mais fácil,
E vai ficando longe demais.
Quanto mais me acho no avante
Mais me perco no importante.

De olhos abertos, sonho.
Encontro saídas no labirinto
Quero-me fugindo, vejo-me saindo.
Por vezes, pequenos atalhos
Em outras, grandes estradas:
Mas é sempre outro caminho.
Depois do sonho, durmo.
E mata-me, a noite, sem pena
Os voos que imagino em cada novo nicho.

Acordo e sigo - concreto - sem rima
sem graça, sem cerveja e sem vinho
Pelo mesmo velho caminho.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Tantas palavras...
E elas já não nos servem mais.
Quantos olhares,
Que não dizem verdades, nem tampouco bravatas
E que já não vemos mais.
Grande cumplicidade
No falar, no dizer, no olhar
E nada já nos serve mais.
Muitos quereres,
Desejos pretéritos
Que já não queremos mais.
Vários sabores
Que um dia provamos
E sequer deglutimos mais.
Alguns dissabores
E não nos enojam mais.
E até o medo da morte de nós dois
Que tinha olhares, sabores e desejos
Nem ele. Já não vive mais.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Ela insiste que eles têm razão

Não tenho origem judaica ou palestina. Mas, incomodado por um texto de Contardo Calligaris na Folha de São Paulo do primeiro dia do ano, não resisti e enviei uma carta ao jornal. O artigo do psicanalista tratava da condescendência nossa de cada dia com atos criminosos, como aqueles perpetrados pelo regime nazista. Meu incômodo decorreu do fato de o articulista não mencionar, em sua reflexão, o conflito árabe-israelense, que fez o Oriente Médio pegar fogo (mais ainda) nos últimos dias.

Minha carta ao jornal era francamente pró-palestina. Fato é que o conflito entre palestinos e judeus me toca profundamente, e, no final das contas, tendo a me inclinar às razões do povo islâmico, que já habitava aquela terra antes da criação (ao meu ver, irresponsável) do estado de Israel. Os palestinos foram punidos pelo anti-semitismo alemão e pelos absurdos cometidos pelos regimes totalitários na Europa da primeira metade do século passado. A realidade é que enxergo as razões para que um palestino se torne um homem-bomba, mas resisto a dar razão aos judeus na construção do muro.

Uma amiga leu minha carta, publicada pela Folha de São Paulo. Embora frequentemente se negue a enveredar por assuntos "pesados", pediu licença a Belchior ("Ainda sou bem moço pra tanta tristeza, deixemos de coisa, cuidemos da vida. Senão chega a morte ou coisa parecida e nos arrasta, moço, sem ter visto a vida") e discordou de tudo aquilo que eu havia escrito. Chamou-me de neo-socialista, assumiu-se reacionária ("leitora da Veja e telespectadora do Manhattan Connection, confessa") e, reproduzindo o discurso da secretária de estado norte-americana, afirmou: os palestinos são terroristas, os muçulmanos são bélicos (vide ensinamentos de Maomé) e a reação de Israel é legítima.

Contestei à tôa. Desfilei novos argumentos em defesa dos palestinos, repeti que compreendia as razões pelas quais alguns deles amarravam bombas ao corpo, e afirmei que, para mim, Israel era um estado terrorista, e o que seu povo tinha responsabilidade na eleição de governantes que não hesitam em promover ataques a um povo já profundamente acuado, e encarcerado em duas faixas de terra, sem direito a um passaporte, à nacionalidade, à cidadania.

Fui acusado de desonestidade intelectual. Desisti da discussão. É difícil argumentar contra paixões: recorro a clichês, sei - mas elas nos cegam. Cegam os judeus, cegam os muçulmanos, cegam a mim e a minha amiga. Melhor concordar com o escritor israelense Amos Oz: trata-se de uma batalha entre errados e errados. Os moderados precisam se impor aos fanáticos, diz ele. É isso. À minha amiga, digo: o amor bélico não me parece dar bons resultados. Só mata, só desgasta. Em Israel ou em nossa caixa de e-mails.

Cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida...

sábado, 3 de janeiro de 2009

Amante que espera

Querida que é consolo
Consola-me a todo dia
Pois num mar de incertezas
Só tenha certeza da vida
E a certeza de ti, morte querida.
Só que todos os caminhos
De fardos carregados
De louros esporádicos
Têm todos um só destino.
De braços abertos e impassível
De mãe estentida, consolo maior.
Faça o que fizer,
Seja o que quiser,
Pise, ame, chore e sofre.
Faça tudo como lhe aprouver.
E lá estará ela
Nunca lhe chamarão querida
Soberba, porém, estará ela,
Esperando por ti, sua amante
De fim da vida.

Procuro um gato

Há poucos gatos entre nós.
Espalham-se cachorros, bobos.
Dóceis e tolos.
Carentes de qualquer esmola,
De qualquer ração, de apertada coleira.
Disfarçam-se de ratos
(e o são por vezes, também no ato).
Mas são coitados: balançam o rabinho
A qualquer sinal de algum carinho.
São poucos gatos entre nós.
Sós e conscientes de sua solidão.
Donos de seu próprio rabo,
Senhores de suas garras felinas.
Acariciam só se lhe dão o leite a beber
Mas não se vendem por qualquer trocado.
Bebem, e seguem. Livres de toda coleira.
Banham-se sozinhos, fogem dos ninhos.
Parecem bonzinhos, mas não se deixam desvendar.
Têm no olhar um querer misterioso
Que não mostra a hora, e nem razão para saltar.
Procuro em mim um gato, e não só esse cachorro tolo
Que só sabe ladrar. E que se afia as garras,
Está sempre preso ao medo de atacar.