segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Tantas palavras...
E elas já não nos servem mais.
Quantos olhares,
Que não dizem verdades, nem tampouco bravatas
E que já não vemos mais.
Grande cumplicidade
No falar, no dizer, no olhar
E nada já nos serve mais.
Muitos quereres,
Desejos pretéritos
Que já não queremos mais.
Vários sabores
Que um dia provamos
E sequer deglutimos mais.
Alguns dissabores
E não nos enojam mais.
E até o medo da morte de nós dois
Que tinha olhares, sabores e desejos
Nem ele. Já não vive mais.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Ela insiste que eles têm razão

Não tenho origem judaica ou palestina. Mas, incomodado por um texto de Contardo Calligaris na Folha de São Paulo do primeiro dia do ano, não resisti e enviei uma carta ao jornal. O artigo do psicanalista tratava da condescendência nossa de cada dia com atos criminosos, como aqueles perpetrados pelo regime nazista. Meu incômodo decorreu do fato de o articulista não mencionar, em sua reflexão, o conflito árabe-israelense, que fez o Oriente Médio pegar fogo (mais ainda) nos últimos dias.

Minha carta ao jornal era francamente pró-palestina. Fato é que o conflito entre palestinos e judeus me toca profundamente, e, no final das contas, tendo a me inclinar às razões do povo islâmico, que já habitava aquela terra antes da criação (ao meu ver, irresponsável) do estado de Israel. Os palestinos foram punidos pelo anti-semitismo alemão e pelos absurdos cometidos pelos regimes totalitários na Europa da primeira metade do século passado. A realidade é que enxergo as razões para que um palestino se torne um homem-bomba, mas resisto a dar razão aos judeus na construção do muro.

Uma amiga leu minha carta, publicada pela Folha de São Paulo. Embora frequentemente se negue a enveredar por assuntos "pesados", pediu licença a Belchior ("Ainda sou bem moço pra tanta tristeza, deixemos de coisa, cuidemos da vida. Senão chega a morte ou coisa parecida e nos arrasta, moço, sem ter visto a vida") e discordou de tudo aquilo que eu havia escrito. Chamou-me de neo-socialista, assumiu-se reacionária ("leitora da Veja e telespectadora do Manhattan Connection, confessa") e, reproduzindo o discurso da secretária de estado norte-americana, afirmou: os palestinos são terroristas, os muçulmanos são bélicos (vide ensinamentos de Maomé) e a reação de Israel é legítima.

Contestei à tôa. Desfilei novos argumentos em defesa dos palestinos, repeti que compreendia as razões pelas quais alguns deles amarravam bombas ao corpo, e afirmei que, para mim, Israel era um estado terrorista, e o que seu povo tinha responsabilidade na eleição de governantes que não hesitam em promover ataques a um povo já profundamente acuado, e encarcerado em duas faixas de terra, sem direito a um passaporte, à nacionalidade, à cidadania.

Fui acusado de desonestidade intelectual. Desisti da discussão. É difícil argumentar contra paixões: recorro a clichês, sei - mas elas nos cegam. Cegam os judeus, cegam os muçulmanos, cegam a mim e a minha amiga. Melhor concordar com o escritor israelense Amos Oz: trata-se de uma batalha entre errados e errados. Os moderados precisam se impor aos fanáticos, diz ele. É isso. À minha amiga, digo: o amor bélico não me parece dar bons resultados. Só mata, só desgasta. Em Israel ou em nossa caixa de e-mails.

Cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida...

sábado, 3 de janeiro de 2009

Amante que espera

Querida que é consolo
Consola-me a todo dia
Pois num mar de incertezas
Só tenha certeza da vida
E a certeza de ti, morte querida.
Só que todos os caminhos
De fardos carregados
De louros esporádicos
Têm todos um só destino.
De braços abertos e impassível
De mãe estentida, consolo maior.
Faça o que fizer,
Seja o que quiser,
Pise, ame, chore e sofre.
Faça tudo como lhe aprouver.
E lá estará ela
Nunca lhe chamarão querida
Soberba, porém, estará ela,
Esperando por ti, sua amante
De fim da vida.

Procuro um gato

Há poucos gatos entre nós.
Espalham-se cachorros, bobos.
Dóceis e tolos.
Carentes de qualquer esmola,
De qualquer ração, de apertada coleira.
Disfarçam-se de ratos
(e o são por vezes, também no ato).
Mas são coitados: balançam o rabinho
A qualquer sinal de algum carinho.
São poucos gatos entre nós.
Sós e conscientes de sua solidão.
Donos de seu próprio rabo,
Senhores de suas garras felinas.
Acariciam só se lhe dão o leite a beber
Mas não se vendem por qualquer trocado.
Bebem, e seguem. Livres de toda coleira.
Banham-se sozinhos, fogem dos ninhos.
Parecem bonzinhos, mas não se deixam desvendar.
Têm no olhar um querer misterioso
Que não mostra a hora, e nem razão para saltar.
Procuro em mim um gato, e não só esse cachorro tolo
Que só sabe ladrar. E que se afia as garras,
Está sempre preso ao medo de atacar.