sábado, 31 de maio de 2008

Querer simplesmente

Tudo que eu toco eu quero
Tudo que eu quero eu tento
Tudo que eu tento, eu não consigo.
Se consigo, não gosto. Não tenho.
E simplesmente choro e sigo.
Ver-te, tentar-me e não ter
A despeito de tanto querer
Faz-me pensar a respeito:
Do desejo, qual será o porquê?
E digo-me não mais tentar:
- Para quê lançar-se ao mar
Se a certeza é afundar?
Eis que até determino
A desta água não mais tomar .
Mas termina voltando-me o copo
E me embriago de tentativas.
Frustradas. Falidas.
Jovens desesperadas,
Pobres suicidas.

domingo, 25 de maio de 2008

Um desejo

Quero seguir livre
Desimpedido com os destinos.
Do sono, quero ir só ao não saber
Quero andar roçando todos os possíveis riscos.
Quero que as amarras que ditam o possível
Desamarrem-se de vez de minhas entranhas.
Quero só sangue repleto de uma só ousadia
Correndo-me em minhas veias que me empurram
Violentamente.
A um não-lugar -
E é o que quero: ausência de lugares.
Sonho com poder chegar cerca
Da ponta desses tantos precipícios.
Nunca caí em nenhum:
Mantenho-me longe do inesperado.
Do não-quisto, do inimaginado e do imprevisto.
Sairei um dia, veloz, em busca do precipício
Sem hesitar por qualquer instante, avançarei
Não sei onde cairei. Nem sei se cairei.
Talvez o inesperado seja só o conhecido:
Todas aquelas amarras são velhas conhecidas
Já cercam e tramam soltas num labirinto
Sem saída: o de quem pensa ter destino.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Ele segue nu

Andava na rua, de macacão azul e tênis branco, quase preto de surrado. Era meio-dia, sol na cabeça, e o homem seguia, como se fosse para algum lugar importante. Sua casa, talvez? Seria a hora do merecido descanso? Acabara de cumprir mais um turno de trabalho na construção civil, ajudante de pedreiro que era. A vida não lhe deu nada mais do que isso: só os tijolos alheios, e o minguado salário ao fim de cada mês. Mas, de repente, o homem pára, abaixa e tira o velho tênis. Os que passam de carro olham curiosos: o sol esquenta o chão e a cabeça, mas o homem se descalça. E ele mantém em si o foco: abre cada botão do macacão, sua única veste, joga o pano azul nas costas e segue andando. Nu. E eu, que a tudo assistia paralisado, não consegui sequer afrouxar o nó da gravata e abrir ao menos alguns dos botões da camisa branca - de força - que me aprisiona. Olho mais uma vez, mas o homem vai embora, afastando-se, num só ato de despir, da sociedade que o obriga a carregar tijolos, a sorrir, a chorar e a vestir aquele velho macacão azul que só esconde o óbvio. Mas por que esconder o óbvio? Viva os livres. Quero um dia ser louco também.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Simples Desejos

Quero uma nêga
Que não me negue
Um pouco do seu amor.
E um querido amigo
Que beba comigo
O resto daquela dor.
Quero um cantor
Que faça de qualquer bossa
(velha ou nova, não importa!)
Um alento ao meu torpor.
E também um pintor
Cujo pincel possa
Expressar num branco, em cores
Um pouco do muito que sou.

domingo, 4 de maio de 2008

RESPOSTA AO LEITOR

Caríssima leitora do meu blog,
(Aos outros leitores - que não a destinatária - sugiro que leiam o texto anterior "Nunca pertenci." antes, já que aqui escrevo uma resposta).

Muito obrigado pela sua gentil correspondência. Fico contente de que alguém leia isso aqui, mesmo que não dê dinheiro. É a vaidade insuportável dos narcisos, pretensiosos e inseguros, que me faz vir aqui, às vezes, em busca de uns elogios descomprometidos.

Mas vamos direto ao assunto: você então me pergunta, leitora, se afinal sou homem ou mulher. Nome de homem e um texto de mulher? “Conjugando no feminino, senhor escritor?”, você me perguntou, quase desaforada. Desculpe por confundi-la. Jamais foi minha intenção.

Responderei diretamente a sua questão, minha cara: ninguém escreve sobre alguém diferente do que é de verdade. Tudo que falamos, senhora leitora, é nosso. Posso até me justificar no início, posso mudar o gênero do artigo, mas são só disfarces. É sempre sobre nós mesmos que estamos falando, mesmo quando falamos dos outros. Ou melhor, talvez, principalmente, quando falamos dos outros. Ou pelos outros. Sim, senhora leitora, sou homem. E o texto anterior – que lhe causou aparente perturbação – é sim no feminino.

Adianto a outros eventuais leitores: vão me perguntar se estou falando “no geral” ou apenas sobre mim. No geral e sobre mim, respondo. Todos eles que escrevem como mulheres, sobre mulheres, e falam das mulheres, são mulheres também. Em algum lugar. Em algum lugar, na verdade, senhora leitora, somos tudo o que a senhora puder imaginar. E um pouco mais.

Obrigado pela preferência.

Nunca pertenci.

Eu nunca pertenci a nenhum grupo social. Sempre fui muito cheinha pra andar com as bonitas, muito bonitinha pra andar com as feministas, feminista demais pra entrar para as anarquistas. E minha vida continuou nisso. Sempre tentando me encaixar em algum grupo, ente coletivo, clubinho, qualquer coisa, até numa reunião espírita estava valendo.

Depois das dúvidas adolescentes, surgiram os outros problemas de encaixe. A dificuldade era grande pra escolher entre H - de hétero - ou GLBT - derivações mais diversas da sexualidade. Cinco grupos para se encaixar, e eu, como sempre, rejeitada: até pra ser considerada BI eu era hétero demais. E prosseguia tentando, chutada dos grupos. Saradas e sedentárias têm - ambas - dificuldades para me absorver. Nunca soube responder, convicta, se era alguém "do dia" ou "da noite". As dúvidas entre ser calorenta ou friorenta voltavam-me atrozes a cada início de estação. Nem preciso dizer que oscilo com razoável desenvoltura entre as boas e as más.

Cada vez que me colavam um rótulo, eu ia saindo pelas beiradas. Nenhum nunca colou em mim assim, de verdade. Os meus pretensos iguais não se viam como eu ao olharem-se no espelho. E nem eu conseguia me enxergar naqueles modelos ultrapassados de grupo. Todos necessariamente aglutinadores, qualquer que fosse a profundidade daquelas relações.

Segui assim toda minha vida, já desprezando qualquer nova tentativa de agrupar-me. Nunca consegui ser careta. Nunca me afundei nas drogas com vontade. Fiquei sempre no médio, no meio. E era assim, chutada levemente pelos que se pretendiam superiores somente por estarem em grupo. Fui seguindo sozinha. Deitei-me em divãs de todas as terapias (exceto as grupais). Conformei-me. Ergui-me e passei a intitular-me contente embora sozinha, independente, bem resolvida. Até, às vezes, feliz.

E fui levantando a bandeira de quão bom é ser única, individual. Mas quer saber? Preciso fazer uma confissão: vou voltar aos Vigilantes do Peso. Lá eu era alguém.

Percepção

Só não sabes ser mais uma cruel em uma hora:
Quando pretende-te caridosa.
Aprende: pises à vontade, firas e chutes
Mas não acaricies assim
Daí de tão de cima
Como se do céu pisasses a terra
Com saltos finos e cortantes.

Prefiro os teus passos firmes
Aqueles gordos barulhentos
E levemente desajeitados
Predestinados a amassar
Mas não a dilacerar
Um gostar que foi já grande
E que agora só vejo minguar.

Clichês de Despedida

Beijinhos de despedida desdenhosos
Esmole-me-os!
Já não mais cabem entre nós
Aqueles saudosos vocábulos
Um dia tão carinhosos.

Passada a fase de descobrimos
As coincidências no olhar.
O mundo que nos era o mesmo
Assisto aos poucos definhar.
Mas já nem sinto aquele luto
De quando perdemos a meada:
Virou tudo cansada luta
Pra manter nos breves encontros
Esses sorrisos complacentes
Que escondem múltiplos desencontros.

Carrego minha pena, dispenso a sua
Nem precisa disfarçar:
Já lhe aprazem mais leves companhias
Vejo-me um fardo. Serei só isso de fato?
E nesse festival de arestas
Que já nem se tenta lapidar
Olho pra trás e penso:
Foi verdadeiro o nosso concordar?

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Dona da rua

Passe o seu batom vermelho.
Tome para si as ruas
Faça de esquinas casas suas
Torne-se dona de si própria.

Que lhe chamem mulher imprópria.
Seja dona de suas rédeas e bolsa
E o que de si disserem, nem ouça.
Mas faça valer, puta, toda sua força.

E tenha em seu porte a dignidade
De quem é dono de sua cabeça
E que na crua língua tem o dom da verdade
E que vê naquele que lhe julga com o olhar
Apenas alguém que não se lhe mereça
Que só lhe terá, efêmera, se lhe decide pagar.