quinta-feira, 22 de maio de 2008

Ele segue nu

Andava na rua, de macacão azul e tênis branco, quase preto de surrado. Era meio-dia, sol na cabeça, e o homem seguia, como se fosse para algum lugar importante. Sua casa, talvez? Seria a hora do merecido descanso? Acabara de cumprir mais um turno de trabalho na construção civil, ajudante de pedreiro que era. A vida não lhe deu nada mais do que isso: só os tijolos alheios, e o minguado salário ao fim de cada mês. Mas, de repente, o homem pára, abaixa e tira o velho tênis. Os que passam de carro olham curiosos: o sol esquenta o chão e a cabeça, mas o homem se descalça. E ele mantém em si o foco: abre cada botão do macacão, sua única veste, joga o pano azul nas costas e segue andando. Nu. E eu, que a tudo assistia paralisado, não consegui sequer afrouxar o nó da gravata e abrir ao menos alguns dos botões da camisa branca - de força - que me aprisiona. Olho mais uma vez, mas o homem vai embora, afastando-se, num só ato de despir, da sociedade que o obriga a carregar tijolos, a sorrir, a chorar e a vestir aquele velho macacão azul que só esconde o óbvio. Mas por que esconder o óbvio? Viva os livres. Quero um dia ser louco também.

Um comentário:

Anônimo disse...

Liberdade. Que fim poderia ser mais desejado? Belo conto.